O Mar!
Cercando prendendo as nossas Ilhas!
Deixando o esmalte do seu salitre nas faces dos pescadores,
roncando nas areias das nossas praias, batendo a sua voz de encontro aos montes,
… deixando nos olhos dos que ficaram a nostalgia resignada de países distantes …
… Este convite de toda a hora que o Mar nos faz para a evasão!
Este desespero de querer partir e ter que ficar! …
— Poema do Mar, Jorge Barbosa

40 anos de silêncio sobre as prisões e as torturas em São Vicente - Por Jorge Montezinho

Segundo o site "Expresso das Ilhas"  no artigo  "40 anos de silêncio sobre as prisões e as torturas em São Vicente" assinado por José Montezuma, o blog "Arroz Catum" publicou um interessante comentário denominando "Finalmente a Luz", assim se inicia.

Com a devida vénia, irei reproduzir algumas partes desta matéria, que foi desenterrada tarde demais para a esmagadora maioria daqueles que de forma arbitrária, desumana e insensata, se viram privados da sua liberdade e despojados de toda a dignidade!
Resultado de imagem para IMAGEM DA PRISÃO DE SÃO VICENTE CABO VERDE
Estabelecimento prisional de São Vicente
A matéria é relativamente extensa, mas de grande relevância e valor "histórico", pelo que tentarei ser fiel aos textos do autor Jorge Montezinho, todavia, serão publicados em pequenos trechos.

"Prisões, torturas, mortes. Há 40 anos São Vicente sentiu a mão pesada do Partido Único, mas as origens da repressão brutal que sacudiu a ilha estavam a 5.425 quilômetros, em Angola, onde o levantamento popular de Maio de 77 fez soar os alarmes junto dos dirigentes do PAIGC.”

Para perceber o que aconteceu em São Vicente temos primeiro de saber o que aconteceu em Angola e comparar as tácticas usadas, porque, logicamente, não se pode comparar a dimensão da repressão. Comecemos então por Angola. Em Outubro de 1976, a 3ª Reunião Plenária do Comité Central do MPLA marca o início do conflito aberto entre o grupo reunido em torno de Nito Alves (Ministro da Administração Interna) e a maioria da direção política do MPLA. Nito Alves e José Van Dunem são acusados de “fraccionismo” [termo usado também pelo PAIGC, quando procedeu à expulsão dos chamados trotskistas] e por proposta de Van Dunem, é formada uma comissão de inquérito, sob a presidência de José Eduardo dos Santos, para investigar a existência de fraccionismo no MPLA.

O comité decide ainda extinguir o Ministério da Administração Interna, afastando assim Nito Alves do governo. Resolve igualmente fechar o jornal Diário de Luanda e o programa radiofónico Kudibanguela, que seguiam a orientação nitista. A 20 e 21 de Maio de 1977, a Reunião do Comité Central do MPLA decide afastar Nito Alves e José Van Dunem. As conclusões do inquérito sobre a existência de fraccionismo nunca foram tornadas públicas, há duas versões. A de que o inquérito concluiu pela “existência, de facto, do fraccionismo” e a de sobreviventes do 27 de Maio que sustentam que o relatório final da comissão de inquérito era inconclusivo. Durante a reunião, Nito Alves terá contra-atacado e acusado, entre outros, Iko Carreira, ministro da Defesa, pela situação caótica das Forças Armadas e por desviar fundos destinados ao reequipamento militar para contas na Suíça.

Ainda a 21 de Maio, logo a seguir ao encerramento da reunião, Agostinho Neto preside uma assembleia de militantes na Cidadela Desportiva, em Luanda, onde anuncia a decisão do Comité Central, defende os dirigentes atacados por Nito Alves e exorta a uma verdadeira “caçada” aos nitistas: “Peço aos camaradas, ativistas do Movimento, membros dos Comités e Grupos de Ação que, de acordo com as decisões tomadas, façam um combate verdadeiro e sério contra todos os fraccionistas que encontrem pelo caminho.” Alguns protestos são reprimidos ainda dentro do estádio. A 23 de Maio, um plenário da 9ª Brigada de Infantaria Motorizada pede a reintegração de Nito Alves e José Van Dunem no Comité Central. A 26, o Comité Central reúne-se novamente para discutir o “fraccionismo”. Como resultado do encontro, é publicada uma longa declaração do Bureau Político lida à noite na rádio por Lúcio Lara. Os “nitistas” são apresentados como “grupelhos de ambiciosos e oportunistas, procurando contestar, sob pretextos diversos, a orientação dos organismos dirigentes, falsificar o conteúdo da linha política do MPLA e lutar pela hegemonia e pelo controlo de toda a organização.”
Na madrugada do dia 27 de Maio, o destacamento feminino da 9ª Brigada, liderado pela Comandante Elvira da Conceição, ataca a cadeia de São Paulo usando um blindado soviético BRDM2. Há um duro combate que se prolonga por horas e no qual há baixas dos dois lados, até que as tropas atacantes saem vitoriosas. Como consequência do assalto, são libertados os presos “nitistas”. Ao início da manhã, a Rádio Nacional é tomada, com o apoio de militares da 9ª brigada, e volta a transmitir o programa radiofônico Kudibanguela, alternando músicas com pronunciamentos.

Agostinho Neto, do palácio presidencial, telefona para Fidel Castro pedindo a intervenção das tropas cubanas. A resposta não foi dada imediatamente. Entretanto, o locutor da Rádio Nacional convoca uma manifestação para frente do Palácio da Presidência. Mais tarde, a convocatória é mudada para diante da Rádio Nacional, provavelmente porque blindados cubanos do batalhão presidencial teriam bloqueado os acessos ao palácio. Às 11h30 chegam à Rádio Nacional os blindados cubanos, que receberam ordens de Havana para esmagar a revolta e ficar ao lado de Agostinho Neto. Ao chegarem à praça, disparam sobre a população. Ao início da tarde, reconhecendo que os blindados BRDM não têm qualquer hipótese de enfrentar os tanques cubanos, a 9ª Brigada rende-se.

No dia seguinte, os tanques cubanos arrasam o bairro de Sambizanga, esmagando mais de cem casas. Depois, começa a caça aos jogadores do clube de futebol local, muitos deles ligados a Nito Alves e aos ativistas do bairro. Agostinho Neto aparece de novo na televisão e em relação aos líderes da sublevação, usa um tom agressivo e ameaçador: “Alguns daqueles que participaram neste crime já estão presos. Dentro de pouco tempo, nós diremos qual será o destino que será reservado a esses indivíduos. Certamente, não vamos perder muito tempo com julgamentos. Nós vamos ditar uma sentença. Não vamos utilizar o processo habitual, seremos os mais breves possíveis, para podermos resolver esses problemas e, vamos tomar decisões segundo a lei revolucionária.”

São particularmente atingidas pela repressão às organizações de massas do MPLA (as mulheres, a juventude e os sindicatos), as Forças Armadas (especialmente a 9ª Brigada), a DISA, a Polícia Militar e a Polícia de segurança Pública, a administração pública, os ministérios. E, também, os estudantes e intelectuais: na Huíla, o principal dirigente político manda prender todos os que tinham concluído a 5ª classe do ensino oficial, considerando-os “inimigos de classe”.

Jornal de Angola, a rádio e a televisão instilam o ódio e a violência. O Jornal de Angola publica editoriais intitulados: “Não pode haver tolerância com os fraccionistas”, “Encontrá-los e prendê-los”, “Vingar os heróis, Fuzilar os fraccionistas”. Anuncia, ainda, que os presos começaram a “confessar” a sua ligação ao estrangeiro. Em Junho, nos primeiros dias do mês, são fuziladas centenas de pessoas acusadas de “fraccionismo” nas províncias. A 19 do mesmo mês, o Jornal de Angola anuncia que foram detidos “os criminosos Zé Van-Dunem e Sita Valles” (mulher de Van Dunem, angolana de origem goesa) e a 7 de Julho o Ministério da Defesa comunica a prisão de Nito Alves, na região de Piri. São todos fuzilados. No total, as várias fontes apontam para um total de trinta mil mortos na consequência do 27 de Maio."

40 anos de silêncio sobre as prisões e as torturas em São Vicente
Por Jorge Montezinho

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Fonte:
Expresso das Ilhas e Arroz Catum