O Mar!
Cercando prendendo as nossas Ilhas!
Deixando o esmalte do seu salitre nas faces dos pescadores,
roncando nas areias das nossas praias, batendo a sua voz de encontro aos montes,
… deixando nos olhos dos que ficaram a nostalgia resignada de países distantes …
… Este convite de toda a hora que o Mar nos faz para a evasão!
Este desespero de querer partir e ter que ficar! …
— Poema do Mar, Jorge Barbosa

Os Exílios na Literatura Cabo-verdiana por Luiz Silva

Cabo Verde nasce do cruzamento de exílios, resultantes de deportações e da escravatura. Cabo Verde somente deixa de ser lugar de exílio quando se transforma em pátria dos cabo-verdianos a 5 de Julho de 1975, mesmo se o partido único durou até a abertura ao multipartidário em 1990.

O exílio é o resultado duma exclusão, marginalização, do facto de não dispor de qualquer direito de participação ou de intervenção na gestão da Nação e a colonização ou o partido único é o seu corolário principal. Assim também aqueles que fincaram os pés na Terra-Mãe e rejeitaram todas as possibilidades de emigrar, enfrentando a colonização e a sua política, assumindo um papel de importância na resistência, vivendo num exílio interno, muitas vezes mais violento e mais duro que aquele que suportam os seus compatriotas no exílio exterior.

Era preciso alguém ficar como "tranca de porta", como dizia Baltasar Lopes, que durante mais de quarenta anos foi o professor de várias gerações de cabo-verdianos a começar por Amílcar Cabral e tantos outros que vieram a se distinguir em várias profissões e na luta de libertação de Cabo Verde.

Considerar exilados somente aqueles que do exterior lutaram pela Independência numa perspectiva de exclusão do património da resistência nacional dum bom número de homens e mulheres que ficaram ao serviço de várias gerações, assumindo a defesa da cultura cabo-verdiana e servindo de exemplo de dignidade e solidariedade para as jovens gerações seria amputar Cabo Verde duma parte importante da sua historia.

Será, sem dúvida, o poeta Jorge Barbosa que melhor explora esta pesada contradição fazendo do binómio "querer ficar e ter de partir e querer partir e ter de ficar" a angústia permanente do ilhéu, sedento de aventuras e rejeitando sempre o convite do mar em busca de terras desconhecidas.

Exílio e cultura
Será que Cabo Verde seja a invenção do exílio? O poeta Gabriel Mariano, autor do poema Capitão Ambrósio, conheceu deportações e exílios no espaço colonial português, com vivências em São Tomé, Moçambique e Angola. Num livro de poemas publicado na Praia em 1965, intitulado 12 Poemas de Circunstância, com capa de Jaime de Figueiredo, escrevia o poema Carta de Longe a demonstrar a ferocidade do sistema colonial:
Carta de longe lembrando
A dispersão dolorosa.
Carta de Boston América
De Jorge Pedro Barbosa
Eram quarenta e só quatro
Em Cabo Verde ficaram.
Tinha Brasil Argentina
Tinha Dakar-Senegal.
América vinha primeiro
Já nos obscuros caminhos.
Já nos obscuros caminhos
Da encruzilhada inicial
Já insinuando por perto
Brasil Dakar-Senegal.
Tinha Guiné Moçambique
Angola veio e depois
Macau Timor Venezuela
Goa Brasil São Tomé
E dos quarenta só quatro
Em Cabo Verde ficaram;
Caminhos brandos para quem
Os pés já sangram doridos
Ainda os meninos os pés
Os pés já sangram doridos.
Ó meus destinos inquietos
No inquieto mapa do mundo,
Eram quarenta e só quatro
Em Cabo Verde ficaram.

Certamente que o Gabriel Mariano se referia a sua turma no Liceu Gil Eanes, de que era professor e reitor o seu tio Baltasar Lopes, poeta, romancista, filólogo, advogado e fundador da revista Claridade, que preferiu ficar preso às ilhas, sacrificando-se para formar a juventude, mas encorajando os seus alunos a emigrar como oportunidade para continuar a formação e a repensar o futuro de Cabo Verde.

Não havendo universidades em Cabo Verde, não havendo empregos na função pública, o estudante liceal era forçado a escolher o exílio, seja no quadro da função pública nas colónias portuguesas ou emigrando para o estrangeiro. Essa diáspora cabo-verdiana dispersa pelo mundo seria capaz de se organizar a partir da Guiné-Bissau e se lançar na luta pela Independência. E o PAIGC não deixa de ser o braço armado da emigração cabo-verdiana.

A emigração cabo-verdiana constitui uma resposta política a má gestão colonial dos portugueses. A emigração cabo-verdiana não se limita, como dizia Eugénio Tavares "a um simples exercício mandibular".

A adesão à luta de libertação foi um acto de consciência reforçado com as experiências conseguidas na emigração. Mas mesmo aqueles que não se aderiam às lutas, política e armada, mas que com suor e sangue participavam na vida económica, social e cultural do país, solidarizando com os recém-chegados, apoiando financeiramente as associações, indirectamente participavam na luta de libertação nacional.

Pensar os exílios na literatura cabo-verdiana nos proporciona um longo voo pela história de Cabo Verde. A literatura foi o único espaço cultural onde os cabo-verdianos puderam fixar os acontecimentos históricos de Cabo Verde.

Não é possível fazer uma leitura de Cabo Verde sem passar pela literatura, marcada por muitos exílios, dentro das ilhas, no espaço colonial e nos países da emigração. Falar do exílio na literatura cabo-verdiana obriga-nos a repensar o isolamento e as condições geográficas que limita os passos de cada indivíduo. No poema Ecrã, Manuel Lopes diz:

"Para além destas ondas que não param nunca...
... Há lutas que eu desejo
Com a indomável ânsia dum cavalo preso à beira do caminho, todo o dia,
Por onde passam cortejos de promessas, tentações, miragem,
Que acordam de tempos a tempos a longa monotonia
Da paisagem..."
Mas para demonstrar a força daqueles que ficaram, o valor da sua resistência, no poema Poema de quem ficou, Manuel Lopes diz:
"Eu não te quero mal
Por este orgulho que tu trazes;
Por este ar de triunfo iluminado
Com que voltas...
... O mundo não é maior
Que a pupila dos teus olhos:
Tem a grandeza
Da tua inquietação e das tuas revoltas".
Que teu irmão que ficou
Sonhou coisas maiores ainda,
Mais belas que aquelas que conhecestes...
Crispou as mãos à beira-do-mar
E teve saudades estranhas, de terras estranhas,
Com bosques, com rios, com outras montanhas,
- Bosques de névoa, rios de prata, montanhas de oiro -
Que nunca viram teus olhos
No mundo que percorreste..."

Aqueles que partem para o exílio conseguem, no respeito às leis do país acolhedor, obter o mínimo direito de expressão, de escrever sem passar pelas entrelinhas e acima de tudo libertar-se das fronteiras do mar. Se dum lado podemos fazer uma longa lista de escritores cabo-verdianos que tiveram de exilar para fugir das grades das prisões, como Eugénio Tavares, Amílcar Cabral, Abílio Duarte, Luís Romano, Artur Vieira, Ovídio Martins, Onésimo Silveira, Francisco Fragoso, Nelson Cabral, Mário Fonseca, Daniel Conceição e outros colaboradores de revistas anticolonialistas como Nos Vida (Holanda), Kaoberdi Pa Dianti (Paris), Morabeza (Rio de Janeiro), não podemos deixar de trazer à luz da verdade o patriotismo daqueles que resistiram no interior das ilhas ou nas colónias portuguesas, suportando as pressões da Pide, as transferências compulsivas, as perseguições diárias, mas vivendo de cabeça erguida, assumindo diariamente a sua cabo-verdianidade, como Pedro Monteiro Cardoso, Baltasar Lopes, Gabriel Mariano, Felisberto Vieira Lopes, Manuel Duarte, Osvaldo Osório, Dante Mariano, etc.

Antes de ser um país de emigração Cabo Verde foi um grande entreposto de escravos. A economia cabo-verdiana foi durante três séculos baseada na escravatura para as Américas, do Norte, do Centro e do Sul. A vila de Ribeira Grande, primeira cidade colonial na África negra, ainda conserva o seu pelourinho e as suas igrejas destinadas a latinizar os escravos, como se fosse para a Igreja católica se absolver da sua própria condenação.

A escravatura fora sempre excluída dos manuais escolares durante o período colonial e agora incumbe aos novos historiadores o papel de reescrever a verdadeira história de Cabo Verde.

Cabe também aos romancistas e músicos, absorver a temática da escravatura na literatura cabo-verdiana, sendo ainda possível localizar textos sobre a escravatura nos batuques de Santiago a denunciar o sofrimento dos escravos ou a emigração para São Tomé e Príncipe. A questão da escravatura em Cabo Verde não tem produzido um debate nacional de forma descomplexada.

O historiador Daniel Pereira tem sido um apologista da escrita duma nova história de Cabo Verde, tendo preparado dois compêndios de história para o ensino primário e liceal que, aliás, ainda não foram adoptados ao nível nacional.

A escravatura contínua sendo uma questão tabu na sociedade cabo-verdiana porque na consciência de cada um, no íntimo de todos, sobrevivem os traumas e as frustrações herdadas da escravatura e da colonização.

Os cabo-verdianos na América
Um outro aspecto da presença cabo-verdiana nos Estados Unidos está ligado à pesca da baleia. Encontrei no Museu de New Bedford um documento do século XVII referindo-se à presença cabo-verdianas na América na pesca da baleia.
O romance Moby Dick de Hermann Melville fala dos cabo-verdianos na caça da baleia. Mas é a partir do século XIX que verdadeiramente começa a emigração livre para a América.

Os cabo-verdianos assumem a responsabilidade de organizar as suas próprias viagens, construindo os seus barcos, formando os seus capitães e marinheiros, o que traduz desde já o desejo de autonomia dos cabo-verdianos. Já o facto de partir constituía um acto de libertação.

Mas levavam também uma tradição cultural, usos e costumes tão importantes, símbolos também da autonomia cultural, que os ligava umbilicalmente com Cabo Verde e doutro lado servia de elo de afirmação de pertença a um sítio, a um local, a uma ilha, mesmo se a ideia da nação não existisse.

São esses elementos culturais que permitiram que os cabo-verdianos sobrevivessem unidos, social e culturalmente, durante dois séculos na América. São os elementos culturais que lhes deram a noção da sua cabo-verdianidade, de terem cultura própria e direitos a nação e a independência.

Sabemos que, nos séculos XIX e XX, face a situação dolorosa dos negros na América, surgiram vários movimentos pan-africanistas protagonizando, dum lado a igualdade racial e o direito ao regresso a África, onde puderam emergir Maurice Garvey, Malcome X ou Luther King e ainda o cabo-verdiano Father Grace, (Graça, em português) nascido na Ilha da Brava e que emigrou com a idade de quinze anos para a América.

Vários estudos foram consagrados a Father Grace e as suas instituições em favor dos cidadãos negros de terceira idade que se estendiam de New Bedford a Filadélfia. Grace, ao chegar a América, teria ido a uma igreja portuguesa e as pessoas se riram do seu português de Cabo Verde e ficou profundamente humilhado, e então decide integrar o movimento negro, criar o seu próprio movimento e se afastar dos cabo-verdianos que não queriam integrar a luta dos negros da América.

Graças ao combate dos movimentos pan-africanos, hoje a América possui generais negros, grandes políticos negros, grandes advogados e artistas negros, quando nada se vê no mesmo sentido na América do Sul, em especial no Brasil, que se fartou de nos apresentar como um país multirracial

Foi graças aos movimentos pan-africanistas e sindicais negros que os cabo-verdianos tomaram consciência de que era possível lutar pela igualdade dos direitos cívicos, dentro e fora de Cabo Verde. Tanto Eugénio Tavares, como Pedro Cardoso e Juvenal Cabral são inspirados pelos movimentos pan-africanistas, assim como Júlio Monteiro, Baltasar Lopes e António Aurélio Gonçalves durante a estadia em Portugal, onde se distinguiram como colaboradores do jornal A Mocidade Africana, que se publicou nos anos vinte do século passado em Lisboa.

Também entre 1924 a 1930 do século passado se publicou na América o Jornal da Colónia, dirigido por José da Rosa, onde colaborou toda a intelectualidade cabo-verdiana, entre os quais o Senador Vera Cruz, grande defensor do Porto Grande, Eugénio Tavares, Pedro Cardoso, José Lopes, etc.

Não se pode esquecer a influência da estética brasileira na literatura cabo-verdiana, mas, no plano ideológico, o contributo da América e dos emigrantes foi o mais importante. Eram os emigrantes que traziam livros e revistas a mostrar o caminho da emancipação e da liberdade. Os bravenses também trouxeram a religião protestante, que se fixou primeiramente na Ilha da Brava antes de se estender a todas as ilhas, donde saíram algumas figuras importantes como José Dias, Manuel Ramos, Gilberto Évora e escritores como Osvaldo Osório, Teobaldo Virgínio, Renato Cardoso, etc.

A América está bem presente na literatura e na poesia cabo-verdiana. Se Baltasar Lopes, no seu romance Chiquinho, descreve a vida dos emigrantes em New Bedford, que ele bem conheceu desde a infância através das cartas dos emigrantes; se Teixeira de Sousa, que viveu a sua infância na América, filho de capitão de ilhas e costas, escreve o romance Turbidas Vagas, inspirado duma morna de Eugénio Tavares, para descrever uma viagem de regresso à Cabo Verde; o Teobaldo Virgínio, irmão do Luís Romano, escreve o romance Tio Jonas, baseado na aventura marítima do seu tio Jonas; se Rosendo Évora continua a publicar a sua poesia e prosa em livros e revistas ; se Donaldo Whanon pública a sua biografia no livro " A Minha Vida" verdadeira saga do cabo-verdiano, existe actualmente uma plêiade de jovens escritores a volta de jornais e revistas, como Jorge Soares, Vuca Pinheiro, Waldir Pires, Manuel da Luz, Napoleão Andrade, que dão continuidade à tradição literária cabo-verdiana na emigração cabo-verdiana na América.

O século XIX foi o século da chegada da imprensa em Cabo Verde, no ano de 1842, como também foi o século da criação do Seminário-Liceu de São Nicolau, em 1868, para onde serão enviados os filhos dos emigrantes da América.
A chegada da imprensa em Cabo Verde e a criação do Seminário de São Nicolau foram determinantes para a formação duma elite crioula que mais tarde vai-se manifestar ao nível da administração pública, do ensino e das letras.

Graças ao Seminário-Liceu de São Nicolau, a literatura e o jornalismo se podem afirmar em Cabo Verde e, já nos fins do século XIX, Cabo Verde dispõe de alguns poetas de prestígio, como José Lopes e Eugénio Tavares, ou ainda, mais tarde, escritores formados no Seminário, como Juvenal Cabral, (pai de Amílcar Cabral), Baltasar Lopes, António Aurélio Gonçalves, Pedro Corsino de Azevedo, etc.

O exílio de Eugénio Tavares
Eugénio Tavares, activista republicano, vai ser o primeiro intelectual cabo-verdiano a ser vítima das suas ideias expressas num jornal cabo-verdiano. No ano de 1900, foge para a América para não ser preso, sob o pretexto da acusação dum alcance nos cofres da Fazenda Nacional. Mário Ferro, seu advogado, referiu-se à confusão que se verificava nas contas respectivas, "admitindo a hipótese de se tratar de perseguição política, já que o réu foi sempre republicano e fazia propaganda do ideal republicano, tanto em palestras como na imprensa jornalística republicana, o que lhe produziu uma perseguição atroz de alguns colegas, chefes e governadores monárquicos". Em seu entender, não fugiu mas sim retirou-se. Porque, diz ele, "fugir é cobardia; retirar pode ser, ainda, um ponto de táctica."

Eugénio Tavares escreve o primeiro texto da literatura cabo-verdiana sobre o exílio, a 12 de Junho de 1900, na sua viagem para a América: "O lugre abriu suas largas velas ao nordeste cariciosamente fresco, e desfechou, canal abaixo, proa da América, do El Dorado da Liberdade, Igualdade e Fraternidade...

Esplêndida vela, leve sobre o mar, elegantemente inclinado, o navio voava, enquanto o espírito voltava dolorosamente à realidade, e se retraía, e se abombada nessa indefinível opacidade, calma, tranquila, profundamente dolorosa das grandes dores resignadas". E, a dado passo da carta escrita ao amigo Simplício, diz:
"As causas deste meu exílio, tu, que me conheces, tu as sabes: foste testemunha das monstruosidades que emborcaram sobre o meu nome o córrego lodoso duma calúnia inaudita... Começou tarde, mas sempre começou, entre nós, na atmosfera viciada da administração colonial, o desvendamento da Justiça.

Desvendada ela, a Deusa, poder-se-á não mais escolher as vítimas, senão descobrir os criminosos". Eugénio Tavares começa por descrever uma viagem de 29 dias entre tempestades e calmarias, os serviços de emigração na América, a solidariedade dos patrícios, a leitura das cartas e as informações recebidas das famílias e amigos sobre a situação social e económica do país, etc.
Vejamos o facto que Eugénio Tavares viaja para o exílio com vários objectivos: primo, fugir a ameaça da prisão; segundo, trabalhar e estudar os vários aspectos da emigração. Viveu e partilhou com suor e sangue o dia-a-dia do emigrante cabo-verdiano nas fábricas, nas associações e nas organizações sindicais.

É na América que toma consciência da importância da greve, experiência que traz na sua bagagem e que será utilizada pela primeira vez nas companhias inglesas de São Vicente. Na América ele vai criar o seu primeiro jornal de resistência, Alvorada, em 1900. Foi nas páginas do Alvorada que, no seu nº 1, anuncia em termos bem precisos: Portugueses, irmãos: sim!
Portugueses, escravos, nunca!

E é também nas páginas do Alvorada que anuncia o seu pan-africanista: "A África, terá um dia o seu Monroe: África, aos Africanos!" Ficam assim lançadas as bases do jornalismo das comunidades da diáspora, vindas da América, onde havia mais liberdade de expressão para denunciar os malefícios da colonização.
Regressa a Cabo Verde e após ter sido absolvido das acusações sobre o desfalque do dinheiro nos cofres do Estado e, com advento da República em Portugal e colónias, torna-se um dos maiores paladinos da liberdade e defensor da autonomia no jornal A Voz de Cabo Verde, associado ao Pedro Monteiro Cardoso.

Na Voz de Cabo Verde apresenta proposta para o desenvolvimento económico de Cabo Verde, apoia a reforma do ensino como apoia a reforma da agricultura. Mas nunca perde os laços estabelecidos com a emigração e se mostra um grande defensor da emigração para a América opondo-se, totalmente contra a emigração para as roças de São Tomé e Príncipe.

A emigração torna-se o complemento necessário do seu combate tendo em conta a situação geopolítica de Cabo Verde. A emigração não será só a força do desenvolvimento económico mas também o lugar da liberdade, da defesa dos interesses de Cabo Verde. Este pacto político entre Cabo Verde e a sua emigração se revelou especialmente importante durante a luta de libertação e ainda durante os quinze anos do partido único.

Uma outra experiência importante foi a sua relação com a língua cabo-verdiana, o crioulo, na emigração. Eugénio Tavares passa então a escrever a maior parte dos poemas e mornas em crioulo. Baltasar Lopes nos dizia que ele foi um poeta razoável na língua portuguesa mas que, na língua cabo-verdiana, ele foi o maior. Compreendeu a importância da língua nas relações da comunidade embora as fracassarias, as portarias, para impedir que a língua cabo-verdiana fosse falada nas escolas ou nas repartições.

Mas é o próprio Baltasar Lopes, grande linguista, que afirma: "a linguagem crioula, essa, está tão radicada no solo das ilhas, como o próprio indivíduo". O crioulo será também a língua da resistência, a língua da identidade reivindicada pelos emigrantes e exercerá um papel dinâmico nas relações entre Cabo Verde e a sua emigração pois todas as segundas gerações de cabo-verdianos também se exprimem na língua do país de emigração e no crioulo.

A acção de Baltasar Lopes
A abertura do Liceu Infante D. Henrique em São Vicente, em 1917, pode ser considerada uma vitória dos republicanos, graças à boa vontade do Senador Vera Cruz que cedeu para o efeito a sua própria casa.

Mas o golpe de Estado de 1926, que levou Salazar ao poder e ao estabelecimento dum regime ditatorial e de cuja primeira medida foi a redução dos subsídios para a educação das colónias e que levou ao encerramento desse Liceu, que será reaberto em 1933, graças aos esforços de Adriano Duarte Silva, que faz regressar a Cabo Verde os intelectuais cabo-verdianos que se encontravam em Lisboa e que lideravam o jornal A Mocidade Africana, entre os quais Baltasar Lopes e mais tarde António Aurélio Gonçalves.

Até aos fins dos anos cinquenta, foi o único liceu em Cabo Verde, por onde passaram grandes figuras da vida política como Amílcar Cabral, Abílio Duarte, Pedro Pires, Silvino da Luz, escritores como Teixeira de Sousa, Gabriel Mariano, Nuno de Miranda, Arnaldo França, Pedro Duarte, Ovídio Martins, Luís Romano, Manuel Duarte, Onésimo Silveira, e ainda grandes quadros da advocacia, professores universitários de renome, altos funcionários da administração pública, grandes atletas de renome internacional, médicos, etc.

Pode-se dizer que foi o liceu Gil Eanes que preparou Cabo Verde para a Independência e muito se deve aos professores cabo-verdianos e portugueses que ali trabalharam e, em especial, a Baltasar Lopes, que foi professor e amigo de várias gerações de estudantes.

A censura restabelecida em Portugal em 1933 teria sido mais rude, mais violenta e mais exigente em Cabo Verde. E por isso a aparição tímida da revista Claridade em 1936, com o objectivo de manter bem vivo o combate intelectual de figuras como Eugénio Tavares, Pedro Cardoso, José Lopes, Juvenal Cabral, foi um alumbramento na expressão do poeta Jorge Barbosa.

Assim por exemplo o conto A Caderneta, de Baltasar Lopes, que relata na primeira pessoa o sofrimento duma mulher a que se pretende impor a caderneta da prostituição, não passa na censura em Cabo Verde e, entretanto, será publicado na revista Vértice, em Portugal. Se o conto não pode ser lido em Cabo Verde, por razões que tem a ver com a censura, isso não impede que o seja nas colónias de emigração.

O regresso a Cabo Verde de Baltasar Lopes, após a subida de Salazar ao poder, tem a ver com o facto de ter sido denunciado à polícia política quando postulava o cargo de professor de linguística na Faculdade de Letras de Lisboa.
Graças ao Dr. Adriano Duarte Silva, ele regressa, tendo assim a ganhar Cabo Verde e os cabo-verdianos com o seu saber, o seu patriotismo, a sua dignidade e o exercício quotidiano de solidariedade para com os seus conterrâneos. O seu poema Famintos, publicado no nº 4 da revista Claridade, demonstra essa angústia permanente do poeta, face ao drama da fome e das injustiças sociais:

"Ele vinha nu, dei-lhe os restos duma manta velha
para se cobrir do frio.
Dei roupa para o seu corpo,
dei pão para a sua fome.
Fui seu irmão, mas tive pejo de lhe confessar.
Eu devia ter clamado, para todos ouvirem, que ele era o desterrado,
e ensinar-lhe o caminho para ele se libertar da sua renúncia.
Nada disso.
O que fiz foi somente dar-lhe a moeda das grandes traições.
No meu sangue ficou para sempre o travo desta culpa."

Em sua casa recebia gentes de todas as classes sociais em procura duma palavra amiga. Lutava para encontrar emprego para os alunos, ajudava-os a conseguir bolsas de estudos, ocupava-se das famílias num exercício de solidariedade que muitos não esquecem. Fincou os pés na Terra, formou gerações, sem ceder um passo ao inimigo.

Exilou-se na própria terra, no seio do povo, que o admirou e que ainda após a morte o venera. Como ele gostava de dizer, era preciso que alguém ficasse para trancar a porta. E ele escolheu ser a tranca da porta, não cedendo ao inimigo, enquanto muitos dos seus alunos no exílio, em terra ou nos mares do mundo lutavam também para a libertação do país.

Se foi o grande professor incontestado pelos alunos de várias gerações nunca é demais relembrar os exemplos de solidariedade que ele prodigava e que nos serviram durante anos no exílio e na emigração. Sem esses exemplos os cabo-verdianos nunca teriam organizado as cadeias de solidariedade que foram fundamentais para as estruturas da emigração e da luta de libertação.

O despertar da literatura anticolonialista
O Congresso de Bandung em 1954 vai mudar o panorama dos países colonizados e abrir os caminhos da Independência. Os cabo-verdianos de Dakar e Brasil serão os primeiros a dar o grito da Independência, o que provoca uma reacção positiva nos círculos culturais, em Cabo Verde e na emigração.

Agora, "calcar os pés na terra não chega", é preciso lutar no interior do espaço das Ilhas. Assim, a partir dos anos cinquenta, começa a surgir uma literatura clandestina quase pública no exterior a denunciar a situação colonial. Luís Romano, após ter exercido várias profissões em Cabo Verde, viaja para o Senegal e o Norte de África antes de fixar no Natal, no nordeste do Brasil, onde pública o seu romance "Famintos" em que denuncia as condições de trabalho em Cabo Verde, as fomes dos anos quarenta e a deportação de cabo-verdianos para as roças de São Tomé e Príncipe.

Este romance vai circular em todas as comunidades cabo-verdianas emigradas numa campanha de denúncia ao colonialismo e para a Independência de Cabo Verde. Em 1956, Amílcar Cabral, engenheiro agrónomo e poeta ocasionalmente, vai criar na Guiné-Bissau o Movimento de Independência da Guiné e Cabo Verde, que recebe a adesão da juventude cabo-verdiana e de muitos escritores e compositores como Abílio Duarte, Ovídio Martins, Gabriel Mariano, Onésimo Silveira, Mário Fonseca, etc.
Começa-se então a publicar poemas de libertação nas escolas, nas empresas, nas associações no pais e nas colónias de emigração enquanto Abílio Duarte intensifica o seu engajamento musical libertando a morna dum certo sentimentalismo e integrando-a na luta revolucionária, com textos que ficam eternamente inscritos na história de Cabo Verde.
No auge da sua juventude Mário Fonseca ousa publicar em Cabo Verde o poema Quando a Vida Nascer, grito de revolta contra o mar e o destino colonial:

Aqui,
Soterrado no fim do mundo
Prisioneiro do destino e do mar,
Contemplo das grades da minha prisão
O cenário habitual
-Azul rolante - cemitério de ilusões -
Caminho interdito para o mundo
Para além da vida pujante adivinhada
Além atrás do horizonte
Que se aproxima e se afasta
Na miragem volante
Do sonho
Do dia a dia
Esmagado entre dois paredöes: terra e mar
( ao fundo a revolta )...
- Azul rolante - cemitério de ilusões -
Caminho interdito para o mundo
Para além da vida pujante adivinhada
Além atrás do horizonte
Que se aproxima e se afasta
Na miragem volante
Do sonho
Do dia-a-dia
Esmagado entre dois paredões: terra e mar
(ao fundo a revolta)...

Também, um poeta como Gabriel Mariano, autor do célebre poema "Capitão Ambrósio", escrito em Portugal, será publicado em Paris numa antologia organizada por Alfredo Margarido. O Felisberto Vieira Lopes, sob o pseudónimo de Kaoberdiano Dambará, pública em Paris o livro de poemas "Noti" certamente a poesia mais engajada que se produziu durante a luta de libertação.

Também exilaram os racionalistas cristãos mindelenses, perseguidos pela Igreja católica, cujas casas racionalistas foram fechadas pelo regime colonial, instalando-se primeiramente em Dakar e depois nos Estados Unidos e hoje em quase toda a Europa.
Se a influência do Brasil está bem presente na nossa literatura e na nossa música, talvez a maior presença do Brasil em Cabo Verde se encontre no racionalismo cristão, onde em certas ilhas mais de dois terços da população participa diariamente nas reuniões. A literatura racionalista é a mais lida dos cabo-verdianos, dentro e fora de Cabo Verde.

Os emigrantes que passavam pelo Brasil ou aqueles que se encontravam nos países de emigração importavam directamente os livros do Brasil e os enviavam para Cabo Verde. O racionalismo cristão, considerado como a filosofia da liberdade dos cabo-verdianos, foi a escola da dignidade dos emigrantes cabo-verdianos, que têm sido os maiores divulgadores da doutrina pelo mundo. Na Holanda existem várias casas racionalistas, como em França, Bélgica, Luxemburgo, Suíça, Estados Unidos, etc.

Os livros do coordenador da doutrina Luiz de Matos ou ainda os livros da educadora Maria Cottas fazem parte da leitura do lar. Os racionalistas cristãos foram os primeiros a aderir a luta de libertação no Senegal e os seus representantes são sempre lembrados pela coragem em defender os valores de dignidade e de espiritualidade necessários para vencer diariamente as paixões materiais, numa luta permanente pela integridade do homem e da mulher, pela dignidade do cidadão e da Nação, do bem-estar das nossas crianças, sem a qual se poderia interrogar da razão das nossas lutas.

Em 1962, o escritor Onésimo Silveira, pública na Casa dos Estudantes do Império, Consciencialização na Literatura Cabo-verdiana. Muito jovem foi empurrado para as roças de São Tomé e Príncipe donde seguiu depois para Angola, onde publicou contos e poemas na revista "Imbondeiro".

O texto elaborado no calor da luta em Angola e por um ex-contratado das roças de São Tomé e Príncipe denunciava a apatia dos escritores cabo-verdianos face ao drama da emigração e a falta engajamento político e terminava com uma frase extraída dum poema de Ovídio Martins que ainda hoje contínua a ser citado:
"Esta é a geração que não vai para Passargada". Esta expressão herdada do poeta brasileiro Manuel Bandeira e retomada num ciclo de poemas de Osvaldo Alcântara, um dos heterónimos de Baltasar Lopes, provocou a reacção imediata dos Claridosos, entre os quais de Manuel Lopes, que morreu sem perdoar o Onésimo Silveira.

Evidentemente que as reacções nem sempre tiveram o mesmo teor e, mais uma, vez Baltasar Lopes teve reacção diferente, procurando compreender esta voz que vinha do Sul, do sofrimento, e que achava insuficiente o combate dos Claridosos em defesa dos emigrantes de São Tomé e Príncipe, onde muitos continuam a espera do visto do regresso definitivo a Cabo Verde, enquanto o país recebe emigrantes da África Ocidental.

A questão da emigração para São Tomé e Príncipe contínua ainda viva nas consciências e somente Cabo Verde será independente quando não houver nenhum cabo-verdiano a sofrer em São Tomé e Príncipe.
Ainda o debate sobre a "consciencialização na literatura" não terminou. O Onésimo contínua afirmando que mesmo se fosse agora não retiraria uma linha ao seu ensaio.

Entretanto Gabriel Mariano, sem dúvida um dos mais brilhantes intelectuais da sua geração, veio em defesa dos Claridosos com o poema "Louvação à Claridade", ou escrevendo um intróito à poesia de Jorge Barbosa, ou explorando com uma fina classe a poesia de Eugénio Tavares.

Um outro livro importante na consciencialização da juventude cabo-verdiana foi "Os Condenados da Terra" de Frantz Fanon, prevenindo-nos para a violência da descolonização, que contínua a ser um clássico fundamental para compreender a geração das Independências.

O regresso ao Cabo Verde de Onésimo Silveira em 1963, verdadeiro animador político, com um discurso corajoso, afrontando corajosamente a polícia política, fez com que nos liceus e nas empresas surgissem núcleos nacionalistas que mais tarde se identificaram com a luta de libertação e teve um impacto importante na literatura e na música que se produziu à partir desta data.

A presença de Onésimo Silveira em Cabo Verde tanto na luta anticolonial como nos momentos decisivos para a democracia em Cabo Verde, foram importantes para o destino da Mação Cabo-verdiana.

O exílio holandês
Nos fins dos anos cinquenta, surge um novo processo migratório dos marítimos cabo-verdianos para o Norte da Europa, especialmente para Roterdão (Holanda), que vai mudar o panorama sociocultural e económico de Cabo Verde.
Sonhando pôr termo às fomes cíclicas e a dolorosa emigração para São Tomé e Príncipe, onde se comia "o pão que o diabo amassa", na expressão do grande poeta Eugénio Tavares, um grupo de emigrantes sediados na Holanda faz um apelo à Nação Cabo-verdiana no sentido de envidar esforços para enviar cabo-verdianos para a Holanda.

Esta emigração para a Holanda, organizada pelos caboverdianos, como já acontecera nos séculos XIX e XX com a emigração para os Estados Unidos da América, abrangeu todas as classes sociais, do campo à cidade, inclusivé as mulheres, que assim conseguiam a sua autonomia económica e a sua emancipaçao total.

O primeiro poeta a cantar a emigração caboverdiana para a Holanda foi Osvaldo Osório e que, ao tentar passar a fronteira em Portugal, foi preso e esteve na mesma prisão da PIDE em Caxias com o Alfredo Margarido e outros comunistas, que completaram a sua formação política.

Na Holanda foram criadas as primeiras associações, que se estenderam nos fins dos anos sessenta para o Luxemburgo, França e Itália, preocupadas em defender os interesses dos emigrantes mas também preocupadas em promover a cultura junta das comunidades, criando um espaço importante para divulgar a literatura clandestina ou exilar.

Na Holanda, a Associaçao Caboverdiana teve o seu jornal "Nôs Vida", que recebia também uma colaboraçao de escritores residentes em outras partes do Mundo, como o Brasil, a França, os Estados Unidos e também Cabo Verde, sob a forma de pseudónimos.

O "Nós Vida" permitiu a revelação de vários poetas e contistas, tanto em crioulo como em português.
Contistas da emigração, cujos contos abordavam a experiência quotidiana dos nossos emigrantes, reflexões sobre os seus problemas psicológicos, que somente quem vivia no exílio poderiam escrever.

Mas o "Nós Vida" não era somente literatura: procurava fazer os emigrantes conhecer os direitos, respeitar o país de emigração, comportar-se dignamente com os recém-chegados de forma solidária, consciencializando-o perante a situação política de Cabo Verde; festejava-se os santos populares de Cabo Verde, como São João, organizavam as festas pelo Carnaval, piqueniques, dentro da tradição cabo-verdiana.

Daniel Conceição e o "Nós Vida"
O caso de Daniel Conceição, um dos fundadores da revista "Nós Vida", contista por necessidade de perpetuar a tradição cabo-verdiana na Holanda, merece estudo. Natural de São Nicolau, mas, tendo crescido e estudado no liceu Gil Eanes de São Vicente, foi recrutado durante o período liceal para a escola de sargentos milicianos em Portugal, onde se consciencializou perante a situação dolorosa dos portugueses muitas vezes vivendo em condições piores do que os colonizados.

Após o serviço militar, regressa a Cabo Verde e, por ser filho único, não deseja emigrar preferindo então a vida de funcionário público nas Finanças, na Administração e, por fim, na Junta Autónoma dos Portos.

Moço estudioso, apaixonado pela rádio, procurou sempre cultivar-se e, por esta mera razão, acabou por sentir-se perseguido pela Pide e acaba por emigrar como os outros patrícios, em 1965, para a França e mais tarde para a Holanda.
Na sua ânsia de estudar, procura fixar-se em Paris mas, sem documentos e sem familiares, acaba por partir para a zona leste da França onde havia uma pequena comunidade cabo-verdiana onde, mais tarde, vão chegar Pedro Pires, Júlio Carvalho, Manecas Santos, Manuel Delgado, Mário Fonseca e tantos outros.

O trabalho das fábricas e das minas não dava tempo para estudar e nem para enviar mensalmente uma pensão à sua mãe e à noiva. Acaba por fim por decidir emigrar para a Holanda onde consegue encontrar trabalho, estudar, constituir a sua família, e fazer assim a sua integração na sociedade holandesa.

Mas, preso à cultura e as tradições do seu país, testemunho ocular dos dramas dos cabo-verdianos, começa por escrever contos que são testemunhos dos emigrantes sobre a sua aventura da emigração. Ninguém melhor do que ele foi ao fundo dos problemas da nossa gente emigrante na Holanda porque viveu como emigrante e não como intelectual na emigração.

Sem pretender constituir obra de grande estética literária, os seus contos reflectem a preocupação dos emigrantes e até podiam servir de estudo sobre a emigração na Holanda. São contos simples que denunciam o alcoolismo, o esbanjamento das economias, a exploração humana, assim como chama a atenção para os problemas da família, da dignidade, do respeito à cultura e às tradições, numa linguagem simples ao nível de todos.

Na Holanda editou-se o livro de poemas de Ovídio Martins, intitulado "Cem Poemas", em português e em crioulo, como também surgiram vários grupos musicais como A Voz de Cabo Verde e a primeira casa editora "Casa Silva" que se transformou na editora Morabeza a qual desempenhou um papel de importância na consciencialização cultural e política dos cabo-verdianos.
A importância das edições feitas em França.

Em França, antes que o grosso de emigrantes cabo-verdianos viesse fixar-se em Paris, já havia algumas colónias de emigrantes em Marselha, constituída de cabo-verdianos vindos do Senegal, e em Fameck, no departamento de Moselle, a trabalhar nas fábricas e nas minas.

Somente, à partir dos fins anos sessenta, começam a chegar cabo-verdianos e cabo-verdianas directamente de Cabo Verde, os primeiros, para a construção, e as segundas para trabalhos domésticos. Mas, antes da chegada desses emigrantes, por Paris passaram alguns intelectuais cabo-verdianos em procura de solidariedade para com a luta anticolonial.

Na Presencie Africaine o Alfredo Margarido publicou antologias poéticas, assim como o Mário Andrade assinou uma antologia de poetas africanos de expressão portuguesa. O ensaio político de Onésimo Silveira Consciencialização na Literatura Cabo-verdiana seria publicado em língua francesa, em Outubro de 1968, pela Presencie Africaine.

Nos princípios dos anos setenta, já existia uma associação cabo-verdiana em Paris que teve o seu jornal, Kaoberdi Pa Dianti, e que fez a edição em crioulo do livro de poemas de Kwame Kondé, pseudónimo do médico Francisco Fragoso. Como mais tarde se prestaram homenagens a Pedro Cardoso, B. Leza, Eugénio Tavares, Eddy Moreno e a Baltasar Lopes e se edita o livro Folclore Cabo-verdiano de Pedro Monteiro, com prefácios de Luiz Silva e de Alfredo Margarido, e ainda várias actividades culturais para promover e divulgar a nossa literatura, a música e as artes plásticas em França. Hoje a literatura cabo-verdiana, como a nossa música e as artes plásticas, não são desconhecidas do público francês e não se pode ignorar a contribuição do movimento associativo.

A cultura tem sido a arma fundamental da permanência da cabo-verdianidade na emigração. O crioulo, devido a pressão colonial, teria desaparecido se não fosse o apego dos emigrantes que fizeram dele a língua da resistência dos cabo-verdianos. As segundas gerações se exprimem em crioulo e na língua dos países de emigração.
Por isso temos solicitado ao Governo uma outra política das línguas estrangeiras em Cabo Verde, especialmente nos liceus, ensinando as línguas dos países de emigração, como o holandês e o italiano, como acontece nos países de longa tradição migratória.

De dar possibilidades aos filhos de emigrantes de conhecer as línguas dos países onde trabalham os pais e onde poderão continuar os estudos no caso de também emigrarem.

Por isso nunca é demais dizer que o holandês e o italiano já deviam ser ensinados como línguas livres nas nossas escolas para facilitar a integração dos nossos emigrantes. Mais ainda solicitamos que nos acordos de cooperação fossem estabelecidos a criação de centros culturais dos pais respectivos para servir principalmente às segundas gerações para que possam continuar ligadas a Cabo Verde.

Com a independência cabe ao Governo de Cabo Verde criar as estruturas sociais e culturais para a emigração. Muito se tem dito para que os emigrantes invistam as suas economias no país mas pouco se tem feito ao nível da criação de estruturas culturais e políticas para que ele continue ligado à Terra.

Somente pode haver investimento se a consciência da pertença nacional continuar a existir na emigração. Por isso nunca é demais exigir no Ministério da Cultura um Projecto Nacional para a Emigração que possa beneficiar as segundas gerações porque não podemos ser excluídos dos projectos culturais de Cabo Verde.

Repensar a tragédia exilar dos cabo-verdianos e suas consequências na vida pessoal de cada um e na vida das comunidades exige estudos, reuniões, colóquios permanentes e não reuniões de quatro em quatro anos sob iniciativa dos Congressos dos Quadros da Diáspora. A emigração não é mais solução para o homem cabo-verdiano que agora tem pátria, hino e bandeira.

Mas também o exílio não se termina com uma pensão de reforma porque podemos continuar sempre exilados nas nossas cabeças, no nosso próprio país. O fim do exílio exige uma outra revolução, uma ruptura violenta com o passado e a entrada na reconstrução dum mundo novo, onde a paz, a liberdade de pensamento nunca serão inquietadas pela violência ou a corrupção das novas elites.

O fim do exílio não se decreta e nem será o produto duma vara mágica mas o resultado duma acção concreta em que nenhum dos actores exilados será excluído.

A autenticidade da nossa literatura está no facto de não ter marginalizado qualquer dos aspectos da vida cabo-verdiana, atravessando fomes cíclicas, mortandades, viagens, exílios, emigração para todos os continentes.

A divisa "o corpo que é escravo vai// coração que é livre fica", extraído dum batuque da Ilha de Santiago, e que serve de intróito ao romance Chiquinho de Baltasar Lopes, editado em França, simboliza, na boa acepção do termo, o destino dos escritores cabo-verdianos na sua divagação exilar, dentro e fora de Cabo Verde.

Luiz Silva
Paris, 5 de Julho de 2006

Fonte:
http://www.islasdecaboverde.com.ar/islas_de_cabo_verde/noticias/os%20exilios_na_literatura_caboverdiana.htm