O Mar!
Cercando prendendo as nossas Ilhas!
Deixando o esmalte do seu salitre nas faces dos pescadores,
roncando nas areias das nossas praias, batendo a sua voz de encontro aos montes,
… deixando nos olhos dos que ficaram a nostalgia resignada de países distantes …
… Este convite de toda a hora que o Mar nos faz para a evasão!
Este desespero de querer partir e ter que ficar! …
— Poema do Mar, Jorge Barbosa

Poema do Mar – Jorge Barbosa

O drama do Mar,
O desassossego do Mar,
            sempre
            sempre
            dentro de nós!

O Mar!
cercando
prendendo as nossas Ilhas,
desgastando as rochas das nossas Ilhas!
Deixando o esmalte do seu salitre nas faces dos pescadores,
roncando nas areias das nossas praias,
batendo a sua voz de encontro aos montes,
baloiçando os barquinhos de pau que vão por estas costas...

O Mar!
pondo rezas nos lábios,
deixando nos olhos dos que ficaram
a nostalgia resignada de países distantes
que chegam até nós nas estampas das ilustrações
nas fitas de cinema
e nesse ar de outros climas que trazem os passageiros
quando desembarcam para ver a pobreza da terra!

O Mar!
a esperança na carta de longe
que talvez não chegue mais!...

O Mar!
saudades dos velhos marinheiros contando histórias de tempos passados,
histórias da baleia que uma vez virou a canoa...
de bebedeiras, de rixas, de mulheres, nos portos estrangeiros...

O Mar! dentro de nós todos,
no canto da Morna,
no corpo das raparigas morenas,
nas coxas ágeis das pretas,
no desejo da viagem que fica em sonhos de muita gente!

            Este convite de toda a hora
            que o Mar nos faz para a evasão!
            Este desespero de querer partir
            e ter que ficar!

Poema do Mar - Declamado por João Villaret



Jorge Vera Cruz Barbosa nasceu na ilha de Santiago de Cabo Verde em 22 de Maio de 1902. Fez os seus estudos primários na cidade da Praia e veio depois para Lisboa, onde estudou até ao 3° ano. Regressa em seguida para Cabo Verde, continuando os seus estudos até ao 5° ano.

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Aos dezoito anos começa a trabalhar na Alfândega de São Vicente. Percorre quase todas as ilhas em serviço, para onde é transferido por várias vezes. Aposentou-se na ilha do Sal, em 1967, com sessenta e cinco anos, com a categoria de director de alfândega.
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Em Setembro de 1970, já bastante adoentado do coração, vem para Portugal tratar-se, desencarnando três meses depois, em 06 de Janeiro de 1971.
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Vida sem grandes sobressaltos e limitada à fronteira marítima que inspirou tantos dos seus poemas. No entanto, profunda e imensa em sonhos e em viagens imaginadas que jamais realizou. 
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Jorge Barbosa publicou em vida três livros: Arquipélago (1ª edição em Dezembro de 1935, sob a égide da Editorial Claridade), Ambiente (1ª edição em 1941, Praia, Minerva de Cabo Verde) e Caderno de um Ilhéu (1ª edição em 1956, Lisboa, Agência Geral do Ultramar).
Postumamente, em 2002, a sua Obra Poética foi reunida pela Imprensa Nacional-Casa da Moeda, onde se acrescentou três livros inéditos, ordenados pelo poeta: I – Expectativa; II – Romanceiro dos Pescadores; III – Outros Poemas.
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Nestes três livros encontram-se alguns poemas que foram apresentados na Poesia Inédita e Dispersa de Jorge Barbosa, publicada, em 1993, pelas Edições ALAC. Os que restam e que ficaram de fora dos três livros inéditos foram incluídos igualmente numa parte IV com o título Poemas dispersos. Incluem-se ainda, na parte V, cinco poemas em crioulo. 
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Deu a sua colaboração literária a revistas e jornais da época, como Presença, Claridade (quer nos três primeiros números, quer nos seis restantes da 2ª fase), Cadernos de Poesia, Diabo, Atlântico, Mundo Português, Aventura, Movimento, Mensagem (CEI), Notícias de Cabo Verde.
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Mais regularmente, a sua colaboração foi para o Boletim de Cabo Verde, durante vários anos, não só com poemas, como também com as crónicas de São Vicente e artigos vários.
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Comentário sobre o poema do mar:

Em "Poema do Mar", define poeticamente, e de maneira muito clara, esse desejo de partir tendo que ficar: "O Mar! / [...] / deixando nos olhos dos que ficaram / a nostalgia resignada de países distantes" e o mar acaba por ser a imagem "criadora" da evasão: "Este convite de toda a hora / que o Mar nos traz para a evasão / Esse desespero de querer partir / e ter que ficar!".

Portanto, na poesia de Jorge Barbosa, como na de muitos outros poetas cabo-verdianos, a condição de ilhéu leva implícita a ideia da viagem: viagem exterior a um destino concreto, ligada ao discurso neo-realista, viagem ao interior do próprio sujeito numa procura de conhecimento, viagem quimérica e impossível na origem de uma frustração existencial ofegante. (Francisco Salinas Portugal, “Entre a fugida e a viagem: a poética da ilha”, http://home.no/tabanka/literatureart.htm)

Fonte:

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