O Mar!
Cercando prendendo as nossas Ilhas!
Deixando o esmalte do seu salitre nas faces dos pescadores,
roncando nas areias das nossas praias, batendo a sua voz de encontro aos montes,
… deixando nos olhos dos que ficaram a nostalgia resignada de países distantes …
… Este convite de toda a hora que o Mar nos faz para a evasão!
Este desespero de querer partir e ter que ficar! …
— Poema do Mar, Jorge Barbosa

África de muitos contornos por Clecy Ribeiro

Esperança e recuperação, caminhos abertos a um continente que surpreende

"... Aurora transparente de um novo dia". Mais que uma saudação, a exaltação da África pelo poeta senegalês Leopold S. Senghor. Poeta da revolta e conciliação. Descortinava uma África em comunhão de povos, harmonia, entendimento. Ideal (utópico?) da civilização planetária.

A via continua aberta a esse futuro melhor. Colonização, independência, problemas herdados da pós-colonização levaram a conflitos internos e regionais, exploração desusada do solo, corrupção e mazelas sociais consequentes da carência de saúde, emprego, educação. Mas não minaram a esperança econômica nem os sinais de recuperação política. Os caminhos diferem, a vontade é uma só.

Nesse contexto, um oásis de tranquilidade. Cabo Verde tenta preservar-se, realizando mais e aparecendo menos. Grupo de dez ilhas e cinco ilhotas no Atlântico celebra 35 anos de independência neste 2010, ainda a braços com os desafios da pobreza. Terras de rocha vulcânica, improdutivas, obrigam a importar quase todo o alimento consumido. Ano passado, computa o Birô de Assuntos Africanos do Departamento de Estado norte-americano, foram US$ 746,3 milhões de importações, enquanto as exportações sequer atingiram US$ 37 milhões.

Tampouco escapam essas terras aos danos ecológicos do desmatamento (uso de madeira como combustível), nem às secas, desertificação. O segredo estaria na boa governança, que impulsiona o país, de tão só 506 mil habitantes, ora o sétimo dentre 46 países na lista regional de países com liberdade econômica e 78º no rol mundial. Liberdade econômica significando ambiente propício a negócios, com acento maior nos direitos à propriedade. Tudo sem grandes delongas.

Aproveita Cabo Verde da boa localização, no entroncamento de três continentes, do bom clima, segurança, estabilidade e instituições qualificadas. Fatores que atraem investimento externo privado, direto, catalisador do crescimento. Também ajudam as remessas da diáspora (embora em declínio). A essas terras estaria, portanto, reservado outro destino: abrigar resorts para turismo de lazer e negócios. Preocupa aos governantes criar empresas e, assim, fugir da constante africana – mercados informais.

Embora com status de parceiro especial da União Europeia, interesse mútuo chama os Estados Unidos a Cabo Verde: torná-lo em centro financeiro, uma plataforma continental. Parece bem cotado. Quanto mais não seja, em termos de elegibilidade a ajuda especial, compactada, concedida pela Millennium Challenge Corporation a países de baixa renda fruindo liberdade política e econômica. Cabo Verde elegeu-se em 2005 (pacote de cinco anos) e volta a receber o "compacto" de US$ 110 milhões no Ano Fiscal 2011, para expandir seu setor rural, infraestrutura e turismo. Mesmo já com status de país de renda média.

Além, ou por causa, da aposta alta nos resorts, o setor turístico tende a beneficiar-se de melhorias no transporte portuário e aéreo. Até pontes ligando as ilhas entram nos projetos básicos. Rotas internacionais incluem nove cidades européias, Fortaleza (única na América do Sul) e Boston (Estados Unidos). Para o território continental, são sete destinos. Quatro aeroportos internacionais e o dobro para voos domésticos compõem o movimentado tráfego, a julgar pelo território diminuto, de 4.033 quilômetros quadrados, inclusive a desabitada ilha de Santa Luzia.

Bem a propósito, o Rio vem de hospedar, em julho passado, o Terceiro Festival de Teatro da Língua Portuguesa. Presentes seis países africanos, além de Portugal e Brasil, vivenciando um teatro sem fronteiras e uma cozinha contemporânea. Cabo Verde nos trouxe "Androgínia", do grupo teatral de Mindelo.

Dizem não poucos: Cabo Verde deixa o círculo vicioso da dependência e abraça o círculo virtuoso da responsabilidade e independência econômica. Dizem os governantes: o mercado cabo-verdiano é o mundo. E Cabo Verde a terra da "Morabeza", palavra do idioma creolo que significa gente humana, amável, de espírito hospitaleiro. Receber bem, tratar bem, fazer bem apreciar o país e – por que não? – também fazer voltar.

África de muitos contornos
Clecy Ribeiro
(A autora é Jornalista)

Fonte:
http//www.arazao.net/africa-2.html