O Mar!
Cercando prendendo as nossas Ilhas!
Deixando o esmalte do seu salitre nas faces dos pescadores,
roncando nas areias das nossas praias, batendo a sua voz de encontro aos montes,
… deixando nos olhos dos que ficaram a nostalgia resignada de países distantes …
… Este convite de toda a hora que o Mar nos faz para a evasão!
Este desespero de querer partir e ter que ficar! …
— Poema do Mar, Jorge Barbosa

Maninho de Burgo antes de imigrar ao Brasil jogava críquete com os ingleses

A presença britânica deixou também certas marcas culturais em São Vicente, que ainda hoje são motivo de orgulho dos habitantes da ilha.  Contam-se entre elas o uso corrente de shorts pelos homens, uma série de anglicismos incorporados no léxico local e o gosto generalizado por desportos como a natação, o cross, o futebol, o ténis e o críquete.


Salvo raras excepções, a colónia britânica socializava pouco com a população da ilha. Foi por emulação que os mindelenses crioulizaram alguns costumes dos ingleses, e não através de um intercâmbio cultural propriamente dito.
Assim aconteceu com o críquete. Os primeiros teams foram organizados por e para funcionários de companhias inglesas: a Millers & Cory, a Wilson, Sons & Co. e a Western Telegraph, por esta ordem. Só mais tarde, por volta de 1900, é que um grupo de mindelenses fundou o Clube Africano de Cricket.
Deste grupo faziam parte, entre outros, Maninho de Burgo e seu irmão Alfredo. A formação do clube crioulo foi bem acolhida pelos jogadores ingleses, que passaram a contar com mais uma equipa para as suas partidas.
Quando estes construíram um novo campo na zona da cidade que ainda hoje se chama Chã de Críquete, deixaram ao Clube Africano o velho campo da Salina, com piso tablado, próximo da pontinha onde as crianças e mulheres do povo iam despejar ao mar latas cheias de dejectos. Foi ainda no tempo do campo da Salina que Maninho de Burgo participou em vários jogos com as equipas britânicas, e aí acamaradou com alguns ingleses.
Segundo me contou um velho aficionado do críquete, terão sido esses amigos ingleses que, sabendo da vontade que Maninho de Burgo tinha de emigrar para o Brasil e da sua falta de recursos para empreender a viagem na companhia da mulher, resolveram cotizar-se para lhes comprar a passagem.
É seguro que, enquanto morou em Santos, Maninho de Burgo continuou a praticar o críquete, e também que ele e a mulher começaram a praticar o espiritismo no Centro Amor e Caridade. É tentador acreditar na história da morte da filha adoptiva do casal. Nas biografias de gente que adere ao espiritismo, é comum verificar-se que o interesse na vida para além da morte e na comunicação com as almas dos defuntos desperta com a perda inesperada de um ente querido.
Independentemente da sua veracidade factual, o falecimento precoce da filha ajusta-se a um padrão corrente. Fosse ou não para aliviar o luto, o certo é que Maninho de Burgo e a mulher não só se tornaram espíritas como também médiuns. E é igualmente certo, porque ele próprio o deixou escrito, que Maninho de Burgo era instrumento de um dos espíritos guias do Centro Amor e Caridade de Santos, o espírito do doutor Custódio José Duarte. Nessa qualidade, trabalhava como médium receitista. O seu corpo servia de instrumento ao espírito do falecido médico, que prescrevia através dele todo o tipo de tratamentos aos doentes que demandavam o centro.
Estas informações provêm de testemunhos recolhidos oralmente por mim e de outros reunidos em Barros 1998. Prof. João Vasconcelos
Fonte:
Livro - História do Racionalismo Cristão em S. Vicente
Prof. João Vasconcelos - Universidade de Lisboa
O Livro a "História do Racionalismo Cristão em Cabo Verde", está a venda em todas as Casas Racionalistas de Cabo Verde e no Centro Cultural do Mindelo.
Seu custo no escudo Cabo-verdiano é de 800$00 (oitocentos escudos), para os interessados do exterior é de aproximadamente 8 (oito euros), mais os custos de envio.
Poderá ser solicitado à Filial de Ribeirinha, através do Presidente Sr. Arlindo Flávio, no endereço: